A RPGONOMIA
AH, NO MEU TEMPO...!
Sem dúvida, tudo está evoluindo muito depressa, algumas vezes no bom sentido, mas, de um modo geral, no mau sentido. Nos últimos vinte anos, as condições de vida mudaram mais do que no século que os precedeu. Foram acompanhadas de seu cortejo de calamidades naturais ou provocadas: a AIDS, a poluição, o aquecimento do planeta, problemas que a ciência demora para resolver. Hoje, o pequeno príncipe diria a St. Exupéry: “Desenhe-me a vaca louca.”
E continuamos aqui, bípedes teimosos, a cada dia que passa em maior número, presos a um planeta que não permanecerá mais azul por muito tempo. Sustentados por uma vontade indomável de sobrevivência, queremos controlar tudo para afastar nosso medo, e tentamos acreditar que o pior já passou, com a esperança de que ninguém apertará o botão nuclear.
Cúmulo do otimismo, pretendemos ter o direito a uma qualidade de vida capaz de reequilibrar condições de trabalho e ambientes delirantes.
Mas o que acontece com essa qualidade de vida quando, sem falar das doenças graves, somos o tempo todo agredidos pelos pequenos males cotidianos?
O MAL DO SÉCULO
Como meu amigo e colaborador Alberto estava certo em enfatizar, em um de nossos congressos, que o mal do século não é o câncer, nem a AIDS, mas a dor nas costas, pois todo o mundo vai, mais dia, menos dia, sofrer desse mal. Sem as cervicalgias, as dorsalgias, as lombalgias e outras ciáticas ou hérnias de disco, mais da metade dos médicos especialistas e dos cinesioterapeutas poderia fechar seus consultórios. Nunca dou uma entrevista sem que, num determinado momento, o jornalista me pergunte o que eu poderia fazer pelos seus problemas de coluna vertebral.
A escola, o escritório ou a fábrica, o estresse e os transportes são, sem dúvida alguma, os elementos que mais favoreceram a explosão desse tipo de patologia nas últimas décadas. As condições de trabalho, principalmente nas cidades grandes, não têm mais nada de natural. E, com a mecanização, as zonas rurais não têm mais muito a invejar. A felicidade não reside mais no campo. Por quantas horas alguns trabalhadores não podem mudar de posição?
O homo sapiens transformou-se em homo automobilis. Ora, todo excesso tem um preço. As deformações do corpo e as dores nas articulações são a ilustração disso
FIQUE DE PÉ DIREITO!
Não existe um único pau-de-virar-tripa adolescente que não tenha ouvido esse conselho de seus pais.
Não se passa um único mês sem que uma revista mais ou menos especializada em problemas de saúde não recomende, com muitas ilustrações, como erguer um peso dobrando os joelhos, como digitar em um computador abaixando os ombros, ou sentar-se endireitando as costas. Isso não funciona, nem nunca funcionará.
Por que? Simplesmente porque se trata de esforços voluntários que jamais conseguiríamos sustentar o tempo todo. Peça a um trabalhador braçal, seja ele mecânico ou lenhador, para levantar seus pesos só com a força das coxas a fim de proteger sua “cintura”, e ele rirá na sua cara. Todos nossos movimentos do dia-a-dia são automáticos. Querer controlá-los o tempo todo pela vontade é uma tortura mental e um estímulo à estupidez, pois ninguém conseguiria pensar em outra coisa. Nossos músculos e nossas articulações devem, portanto, mostrar-se capazes de realizar as tarefas habituais automaticamente e, ainda, correspondendo à lei do mínimo esforço.
Como isso é possível? Só graças a um bom condicionamento preliminar.
Um jogador de tênis iniciante deve pensar em tudo: preparar a raquete, orientar o corpo, dobrar os joelhos, olhar a bola. Um bom jogador faz tudo isso naturalmente, o que lhe permite preocupar-se com o tipo de jogada que quer fazer e com a colocação do adversário. Nosso corpo deve, então, aprender, mas nem sempre é um bom aluno. Afinal, como qualquer motor que, por maior qualidade que tenha, acaba se desgastando, ele apresenta inconvenientes incontornáveis em seu funcionamento.
VÊNUS E APOLO
Em primeiro lugar, a perfeição não existe. É claro que a televisão e as revistas estão diante de nossos olhos para nos fazer sonhar, e todos nós já babamos diante de um magnífico cantor de rock ou diante de uma atriz escultural. Mas eles também têm seus problemas. O que só pode preocupar um pouco mais os que não têm a sorte de apresentar a mesma estética.
NEWTON É O CULPADO
Para resistirmos à gravidade e continuarmos sendo os bípedes elegantes que pretendemos ser, precisamos de músculos fortes: os da coluna vertebral, por exemplo, chamados de estáticos, para distingui-los dos abdominais, qualificados de dinâmicos, menos indispensáveis à manutenção de nossa postura.
Para cumprir seu papel antigravidade, nossos músculos da estática são muito fibrosos, tônicos e estão o tempo todo em atividade. Alémdisso, nós os contraímos todas as vezes que temos de fazer um movimento.
O que significa que estão o tempo todo em atividade e portanto... sujeitos à fadiga. Segue-se uma rigidez inelutável. Ninguém consegue escapar a ela. Quem já não massageou o pescoço para tentar relaxar a tensão dos músculos da nuca depois de um trabalho prolongado demais diante de um computador, ou de algumas horas difíceis na direção de um automóvel?
Ó RAIOS, Ó DESESPERO, Ó RIGIDEZ INIMIGA!
Como um motor enferrujado por falta de óleo, o corpo que não tem flexibilidade não consegue mais funcionar normalmente. Perde sua capacidade de adaptação. Os gestos tornam-se menos amplos, as articulações ficam bloqueadas. As próprias atividades esportivas, preconizadas, com razão, para se opor ao sedentarismo, passam a ser inconvenientes.
Isto porque o trabalho muscular que provocam, embora indispensável, acelera ainda mais o encurtamento dos músculos da estática. Também indispensável psicologicamente ou no mundo dos negócios, a flexibilidade é de fato a palavra chave de nosso mundo moderno.
Conservá-la muscularmente é uma necessidade primordial.
A CULPA NÃO É SÓ DA CADEIRA
Os ergonomistas, cuja profissão é, oh, bem respeitável, fazem o que podem. Todos os esforços aprovados para tornar nossas condições de trabalho menos agressivas são, portanto, bem-vindos. Sapatos confortáveis, cadeiras e mesas adaptadas, locais de trabalhos organizados são fatores que contribuem, e muito, para a redução das agressões, principalmente quando o trabalho é repetitivo.
É preciso continuar trabalhando nesse sentido, mas essas melhoras jamais impedirão sozinhas os inconvenientes ligados a nosso próprio funcionamento muscular e articular. Sempre haverá algo pesado demais, uma cadeira baixa demais, ou um armário alto demais. A “dor nos rins” apareceu bem antes das máquinas a vapor.
Mesmo querendo mudá-lo, mesmo aceitando-o ou até estimulando seus desvios, temos de viver nesse mundo louco, o que supõe, em primeiro lugar, sermos capazes de afastar as conseqüências negativas para nossa saúde, ou, melhor, condicionarmo-nos para enfrentá-las.
Dando uma topada ou sentando-se nela, é inútil acusar a cadeira de todos os males.
Na impossibilidade de fazer uma lista extensiva de todos os elementos agressores, devemos desenvolver faculdades de adaptação preventivas.
Nutricionistas, acupunturistas, homeopatas, especialistas em relaxamento, etc... já compreenderam isso há muito tempo.
Faltava fazê-lo no nível músculo-articular identificando o inimigo, a rigidez, e oferecendo meios realmente eficazes de desenvolver e manter a capacidade “fluídica” de adaptação automática de nosso corpo.
A palavra chave é portanto prevenção, quer esta diga respeito à higiene de vida de um modo geral, quer diga respeito ao que estamos tratando em particular aqui, ou seja, o funcionamento corporal.
NEGÓCIOS E SAÚDE
Assumido pelo próprio paciente, por seguros particulares, pelo Estado ou pelas empresas, o custo da saúde é exorbitante. A tal ponto que a prevenção, que também tem seu preço, aparece a cada dia mais como a alternativa mais satisfatória do ponto de vista econômico. Não é apenas por altruísmo que já em 4 países (Bélgica, Canadá, Itália, Brasil), os seguros-saúde e as empresas interessaram-se pela reeducação postural global como meio de prevenção.
Alguns colaboradores creditados, formados por mim, já levaram a boa nova, e os resultados são mais do que estimulantes. Por quê?
QUEM PODE MAIS PODE MENOS!
Se os princípios de um método são corretos, se sua aplicação rigorosa permite atacar as patologias mais complexas, morfológicas, como a escoliose, ou articulares, como as dores vertebrais, pode, a forciori, condicionar um corpo rebelde às atividades repetitivas, por mais agressivas que elas sejam.
OS PRINCÍPIOS DA R.P.G.
[1] Sensibilidade
[2] Psíquico
[3] Energia
[4] Estrutura
[5] Função
Como a cada dia nos tornamos mais rígidos, e como essa perda de flexibilidade muscular comprime e bloqueia nossas articulações, temos de fazer alongamentos. Há anos a palavra alongamento faz parte do vocabulário de qualquer esportista. Porque, portanto, diante de uma tomada de consciência, aparentemente bem ancorada, a RPG aparece como um método revolucionário?
Simplesmente porque a flexibilização que propõe é global. Nossos músculos da estática encurtados são organizados em forma de cadeiras musculares, o que significa que qualquer tentativa de alongamento de um músculo em uma extremidade será não somente recuperada na outra extremidade desse músculo, mas igualmente em um ponto qualquer da cadeia muscular da qual faz parte. A organização de nossos músculos da coluna vertebral é o melhor exemplo disso. Foi preciso identificar essas cadeias musculares e criar os exercícios necessários à sua flexibilização global para obter resultados que nada têm a ver com os do alongamento tradicional.
O PREÇO DA COMPLEXIDADE
Não devemos, contudo, nos iludir com a simplicidade aparente desse primeiro princípio. O funcionamento de nosso sistema músculo-esquelético é extremamente complicado. Portanto, a RPG também é complicada em suas regras e em sua aplicação. Só a complexidade pode responder à complexidade (da morfologia do indivíduo). Seu ensino, e a qualidade desse ensino, que sempre tento preservar com todo o cuidado, é reservado aos fisioterapeutas já formados e exige deles esforço e consciência profissional.
AS APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Embora fundamentada em princípios diferentes, a RPG só tem como proposta resolver os problemas que entram no quadro da fisioterapia clássica:
- Deformações morfológicas.
- Sequelas de traumatismos.
- Dores articulares.
- Problemas respiratórios.
- Afecções neurológicas.
A aplicação particular ao campo do esporte já foi objeto de desenvolvimentos especializados.
As sessões são individuais, geralmente semanais, e duram cerca de 1 hora.
A RPGONOMIA
Essa expressão particularmente bem escolhida nasceu da imaginação de meu excelente aluno Bernard Michel que, como eu mesmo e muitos de nossos colegas, ficam aflitos de ter de tratar patologias que seria tão simples prevenir com o nosso RPG, sob a forma de autoposturas orientadas.
Três obras com diversas aplicações já foram consagradas a esse tipo de trabalho preventivo (Sobre a posição no trabalho e gestos). Faltava adaptá-lo às atividades profissionais de cada um, o que é a razão de ser da RPGonomia.
MINHAS COSTAS SÃO MINHAS
O sonho de todo ergonomista seria ter a liberdade de adaptar a cadeira, o escritório, etc... à morfologia de cada trabalhador. É uma utopia, embora se deva continuar insistindo nesse sentido, pois não existem duas colunas vertebrais idênticas e, como já vimos, isto jamais eliminará a totalidade das agressões. A prevenção deve, portanto, ser dupla: nos materiais e no corpo de quem os utiliza.
Se os exercícios propostos sob a forma de autoposturas não conseguirem reproduzir a sutileza das sessões terapêuticas individuais necessárias depois de instalada a patologia, devem ser contudo escolhidos.
SONHO E REALIDADE
Como somos todos diferentes, seria necessário, repito, que as sessões fossem individuais, o que é impossível no campo da prevenção.
Na RPG, porém, foram classificadas as principais deformações morfológicas, as zonas preferenciais da rigidez. Por isso, é igualmente fácil para nós diagnosticar em que lugar do corpo vão se localizar os inconvenientes de determinada posição ou de determinados gestos profissionais repetitivos.
A comparação permite escolher exercícios comuns para certos tipo de morfologia em função da atividade. Essa síntese supõe que o RPGista domine perfeitamente sua técnica para passar do particular ao geral, que seja formado particularmente para esse tipo de aplicação do método e que lhe sejam oferecidos os meios, pelas empresas, para uma análise da morfologia de cada pessoa e das suas condições de trabalho.
AUTOPOSTURAS ORIENTADAS E ADAPTADAS
Só assim será possível compor e orientar grupos escolhendo as autoposturas de alongamento global mais bem adaptadas para cada um. A experiência mostrou-nos que é perfeitamente possível realizar isso e que os resultados de um investimento mínimo de esforço, de tempo e de dinheiro superam as expectativas.
Mas tudo isso só é possível com um grande profissionalismo da parte do orientador do grupo, o que me levou a criar uma habilitação especial para eles.
Comentários
Enviar comentário